Os heróis de Homero ganhavam fama no campo de batalha. A fama significava que seus triunfos e sua valentia seriam lembrados pelas gerações futuras. Arriscar o corpo na guerra significava para eles a imortalidade do bom nome.
Dom Quixote sai da paz do lar burguês com o propósito de realizar umas quantas façanhas e adquirir fama de cavalheiro andante, altruísta e corajoso, para dedicar todo esse triunfo a sua querida Dulcineia.
Esses dois casos vem da ficção, mas remetem a um fato da realidade: a fama foi sempre relativa um valor: a lealdade, a santidade, a valentia; relativa a virtudes que todos deviam almejar, seja por razões religiosas ou ideológicas.
A fama podia radicar em fatos reais ou falsos. Mas se existia uma reputação difícil de fingir era a de bom soldado. No campo de batalha, o altruismo e a valentia eram expostas com maior sinceridade. Não havia como mentir, com os colegas do pelotão sempre por perto.
Mas isso pouco importa hoje: os soldados de verdade já não são famosos.
Fonte: Piqsels
No início do século XX, o cinema espalharia um tipo de fama que já não exigia que o agraciado arriscasse a vida. Em pouquíssimo tempo, o cinema se tornou paixão de multidões e passou a ser uma nova fonte de ingressos para os atores que viviam do teatro. Como os filmes eram ainda uma arte menor, uma quase atração de circo, ninguém fazia questão de atrelar sua fama ao novo fenômeno (demasiado) popular e os artistas então fascinavam o público, sem que ninguém soubesse donde tinham saído essas pessoas tão atraentes.
Os estúdios cinematográficos recebiam cartas de fãs querendo saber mais sobre as figuras, mas não davam muita atenção. Os produtores pensavam que, como já acontecia no teatro, a excessiva fama do ator redundasse num excessivo aumento de seu cachê. Até que chegou Carl Laemmle e se perguntou se o fascínio dos espectadores pelos protagonistas não podia se tornar um bom negócio, se, ao aumentar a fama do protagonista, não aumentaria também a venda de ingressos dos filmes da sua empresa.
Fonte: Wikimedia
Nasceu então a primeira 'estrela', uma queridinha de vinte anos que, na falta de mais dados, os fãs a tinham individualizado como “garota Biograph”, em relação ao nome da produtora para a qual trabalhava. A atriz deixou seu antigo chefe, a Biograph, e assinou um novo contrato com a IMP, a empresa de Laemmle, para ter seu nome revelado aos quatro ventos.
Devido a questões paralelas à mudança de produtora, a garota sumiu das telas. Circulou então a versão de que tinha morrido atropelada por um tranvia. Muito se discute ainda hoje quem deu origem à versão, mas ninguém duvida que Laemmle aproveitou muito bem a fake new. Publicou um anúncio nos jornais, onde acusava a Biograph pela mentira sobre a morte da atriz e convocava a um evento, na cidade de St. Louis, onde a estrela se apresentaria ao vivo. No anúncio, aparecia por primeira vez o nome da jovem: Florence Lawrence.
Quando ela chegou em St. Louis havia uma multidão esperando na rodoviária, teve tumulto, arrancaram os botões do seu vestido. Do ponto de vista promocional, contudo, o evento foi excelente. Florence atraíra mais gente que o presidente da nação, que visitara a cidade uma semana antes.
Fonte: Campaign US
O cinema trazia um novo motivo para a fama. O ator não arriscava nada, pois tudo era ficção, mas as experiências oferecidas eram insólitas e muito 'reais'. Logo apareceriam as revistas de fofocas e as estrelas alugariam seu rosto para promocionar mercadorias e as estrelas seriam então semi deuses da sociedade de consumo. Viriam depois as estrelas do esporte e de cada ramo tantos famosos que não há sentido pontuá-los. Enfim, há uma banalização da fama.
O problema é que a fama tem um caráter didático do qual não pode fugir. Por que deveríamos lembrar-nos por sempre de X? Pois, para manter viva alguma virtude que aparece claramente ao reviver a vida de X. O que é quase impossível hoje em dia, já que a fama adquire-se praticamente por qualquer motivo, quase sempre atrelada a sucesso pecuniário e, precisamente por isso, torna-se cada vez menos exemplar, cada vez mais irrelevante e além de não transmitir valores, já não funciona como modo eficaz de distinção. Não há mais necessidade do peso de uma grande decisão, das consequências de uma ação, da responsabilidade de uma iniciativa para receber os louros da fama. Hoje ela chega como uma pluma, uma luva de Midas.
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