Pode-se entender cultura como uma dimensão do processo social e utilizá-la como um instrumento para compreender as sociedades contemporâneas. Todavia, não se pode negligenciar e ignorar as relações de poder dentro de uma sociedade.
José Luiz dos Santos (1991, p.7) diz que “Cultura é uma preocupação contemporânea, bem viva nos tempos atuais. É uma preocupação em entender os muitos caminhos que conduziram os grupos humanos às suas relações presentes e suas perspectivas de futuro”.
A cultura, em um determinado momento, é definida como um sistema de signos e significados criados pelos grupos sociais. Ela se produz “através da interação social dos indivíduos, que elaboram seus modos de pensar e sentir, constroem seus valores, manejam suas identidades e diferenças e estabelecem suas rotinas”, como ressalta Isaura Botelho (2001, p.2). Marilena Chauí também chama a atenção para a necessidade de alargar o conceito de cultura, tomando-o no sentido de invenção coletiva de símbolos, valores, ideias e comportamentos, “de modo a afirmar que todos os indivíduos e grupos são seres e sujeitos culturais” (1995, p.81). Valoriza-se o patrimônio cultural imaterial - os modos de fazer, a tradição oral, a organização social de cada comunidade, os costumes, as crenças e as manifestações da cultura popular que remontam ao mito formador de cada grupo. Como salienta Botelho:
Vale nesta linha de continuidade a incorporação da dimensão antropológica da cultura, aquela que, levada às últimas consequências, tem em vista a formação global do indivíduo, a valorização dos seus modos de viver, pensar e fruir, de suas manifestações simbólicas e materiais, e que busca, ao mesmo tempo, ampliar seu repertório de informação cultural, enriquecendo e alargando sua capacidade de agir sobre o mundo. O essencial é a qualidade de vida e a cidadania, tendo a população como foco (2007, p.110).
O desenvolvimento do conceito de cultura transcorre da ordem social para instrumento de relações de poder. De um processo social que constitui uma visão de mundo de uma sociedade e em como esta visão de mundo se forma, para uma justificativa para a desqualificação e redução de minorias. Sodré (2005) conceitua minoria como aqueles setores sociais ou frações de classe comprometidas com as diversas modalidades de luta assumidas pela questão social, movidos pelo impulso de transformação, como os negros, os homossexuais, as mulheres, os povos indígenas, etc.
Considerando a etimologia da palavra cultura, derivada do verbo latino, colere, é o cultivo e o cuidado de algo, como as plantas e os animais para que possam bem desenvolver-se, como por exemplo, transformar a terra em benefício próprio, um significado compatível ao que atualmente denomina-se agricultura. Entre os romanos, a palavra cultura (que vem de colere, cultivar), implicava em cultura animi (o ato de cultivar o espírito, tal como se fazia com uma planta, por exemplo), uma autoeducação do indivíduo. [...] a cultura se desenvolveria do mesmo modo que uma planta (SODRÉ 1983). A palavra é empregada também para designar a educação e o cuidado com as crianças, de forma a desenvolver suas qualidades e capacidades de aprendizado naturalmente (CHAUI, 2006).
A partir do século XVI em diante, este sentido, voltado à agricultura foi expandido para o processo de desenvolvimento humano, para o cultivo da mente. Segundo Arendt apud Chaui (2006), cultura no sentido de cuidado e cultivo, amplia-se à palavra culto, ou seja, cuidado com os deuses e o sagrado. Representa também a relação dos humanos com a natureza para torná-la habitável para os homens e o que é produzido para construir sua existência, e ainda o cultivo do espírito.
A partir do século XVIII, a palavra cultura ressurge com outro significado, passa a ser sinônimo de civilização. Derivada da palavra latina civilis, referindo-se ou pertencendo aos cidadãos, o termo “civilização” foi inicialmente usado na França e na Inglaterra e no fim do século XVIII para descrever um processo progressivo de desenvolvimento humano, um movimento em direção ao refinamento e à ordem, por oposição à selvageria. Por trás deste sentido emergente estava o espírito do Iluminismo europeu e a sua confiante crença no caráter progressista da Era Moderna, onde cultura torna-se critério, um padrão para medir o grau de civilização de uma sociedade e passa a ser considerada como um conjunto de práticas, como arte, ciências, filosofia, que permitia a hierarquização segundo critérios de evolução social. “Avalia-se o progresso de uma civilização pela sua cultura e avalia-se a cultura pelo progresso que traz a uma civilização” (CHAUI, 2008, p. 55). Na França e na Inglaterra, os usos da palavra “cultura” e “civilização” se sobrepuseram, ambas foram progressivamente, sendo usadas para descrever um processo geral de desenvolvimento humano, de tornar-se “culto” ou “civilizado” (THOMPSON, 1998, p. 158 e 159).
As sociedades passaram então a ser avaliadas de acordo com a presença ou ausência de elementos próprios do ocidente capitalista, como o Estado, o mercado e a escrita e a ausência destes foi considerada como falta de cultura ou como uma cultura pouco evoluída. Percebe-se neste momento que o termo cultura passa a relacionar-se à estratificação social e à desqualificação do popular.
Mas, por outro lado, passa a ser a medida de uma civilização. Nesse caso, cultura não é o natural qualquer, mas o que é específico da natureza humana, ou seja, o desenvolvimento autônomo na razão do conhecimento dos homens, da natureza e da sociedade, a fim de criar uma ordem superior (civilizada), contra a ignorância e a superstição (CHAUI, 2006).
Assim, cultura passa a ter duas significações: 1) O processo interior dos indivíduos educados intelectual e artisticamente; o homem culto em contraposição ao inculto. 2) Relacionado à história, representa os modos de vida de uma sociedade determinada, idealizada a partir de suas formas simbólicas – trabalho, linguagem, religião, ciências, artes (CHAUI, 2006).
Comments